O avanço das tecnologias de inteligência artificial (IA), mais significativamente o recente surgimento da IA Generativa, vem provocando transformações estruturais em diversos ramos da atividade humana, inclusive no campo jurídico. Em especial no âmbito da advocacia contenciosa, observa-se um crescente movimento de adoção de soluções baseadas em processamento de linguagem natural (NLP) e sistemas de geração aumentada por recuperação (RAG – Retrieval-Augmented Generation), voltadas à racionalização de tarefas repetitivas e à potencialização da capacidade analítica dos operadores do Direito.
Mais recentemente os Agentes de IA são a bola da vez no setor e oferecem tomada de decisão em tempo real, redução de custos e produtividade.
Trata-se de um fenômeno que transcende a automação mecânica de atividades — a “IA jurídica” interpreta textos normativos, atos processuais e decisões judiciais com elevado grau de acurácia semântica, oferecendo suporte à tomada de decisão profissional.
1. A IA na fase inicial do processo: recepção e qualificação da petição inicial
A primeira aplicação prática da IA jurídica reside na leitura automatizada da petição inicial. Sistemas baseados em NLP são capazes de identificar, com razoável precisão, os elementos essenciais da demanda: pedidos, fundamentos jurídicos, valores atribuídos à causa, teses jurídicas envolvidas, documentos anexos e precedentes invocados.
Esse mecanismo permite aos advogados uma triagem prévia qualificada, contribuindo para a análise estratégica e definição das linhas de defesa, sobretudo em demandas repetitivas ou de alta volumetria.
O NLP foi o carro chefe deste caso de uso nos últimos anos, mas com a IA generativa houve um salto gigantesco no entendimento mais amplo e na captura de metadados. Agregando várias técnicas, inclusive RPA, os resultados estão em outro patamar, se comparado a 3, 4 anos atrás.
2. Contestação, contrariedade e delimitação dos pontos controvertidos
Uma das etapas que mais se beneficiam da IA é a análise da contestação e a subsequente fixação dos pontos controvertidos. A IA pode realizar a leitura cruzada entre os argumentos da inicial e da peça de defesa, identificando convergências, controvérsias relevantes e temas aptos à instrução probatória.
Essa identificação técnica subsidia diretamente a manifestação em sede de especificação de provas, assegurando a escolha racional dos meios de prova mais adequados e alinhados às leis vigentes, além de permitir a formulação de quesitos e roteiros para oitiva de testemunhas com base nos pontos juridicamente relevantes.
3. Interpretação de decisões e atuação estratégica em sede recursal
As decisões liminares e sentenças constituem objetos centrais de análise jurídica e de definição de estratégia. A IA, ao interpretar o conteúdo da decisão judicial, pode destacar os fundamentos jurídicos utilizados pelo juízo, sua aderência à jurisprudência majoritária e possíveis inconsistências lógicas ou omissões.
Com base nesses elementos, é possível gerar subsídios técnicos para a elaboração de embargos declaratórios, apelações, agravos de instrumento e até recursos especial e extraordinário, com fundamentação sólida e respaldada em dados extraídos automaticamente de bases jurisprudenciais, normativas e do próprio acervo documental do processo.
4. Geração assistida de peças processuais
Outro campo de aplicação relevante consiste na produção assistida de peças jurídicas. A IA pode ser configurada para redigir minutas preliminares de contestação, memoriais, recursos, contrarrazões e até relatórios internos (briefings) com base na leitura do processo.
Embora a supervisão e validação final pelo advogado seja imprescindível, a automatização da estrutura argumentativa inicial e a sugestão de fundamentos jurídicos com base em análises preditivas e comparativas aumentam consideravelmente a produtividade e consistência técnica dos documentos produzidos.
5. Acompanhamento da fase de cumprimento e trâmite recursal
Durante o cumprimento de sentença e na tramitação de recursos adversários, a IA pode contribuir ao monitorar o andamento processual e mapear eventos relevantes, como publicações de decisões, abertura de prazos e atuação em embargos ou incidentes recursais.
Além disso, ao identificar protelações em fase recursal, a IA pode gerar relatórios estatísticos e indicadores de desempenho do processo, viabilizando ações gerenciais mais eficazes e comunicação transparente com os clientes do escritório.
Considerações finais
A adoção de sistemas de inteligência artificial na advocacia não representa uma substituição da atuação humana, mas sim uma reconfiguração de prioridades: do trabalho repetitivo para a análise estratégica; da coleta manual para a curadoria crítica; da execução técnica para o julgamento jurídico.
A IA surge como instrumento de valorização da atividade advocatícia e de aprimoramento das práticas forenses. Seu uso ético e tecnicamente embasado representa um avanço significativo para a prestação jurisdicional, a gestão jurídica empresarial e o próprio acesso à Justiça.
A IA consegue atuar em 2 níveis importantes: 1) A leitura de pdfs e documentos não estruturados e 2) A consulta em bancos de dados estruturados. No momento atual, com agentes especializados de IA, um agente pode ser capacitado a fazer consultas na base de dados relacional, para entender a situação da esteira jurídica, para responder sobre prazos, diligências, dados dos processos e, automaticamente, vir a solicitar dados dos pdfs necessários para alguma pergunta realizada pelo advogado. De fato, esse nem fica sabendo, mas a resposta vem, rapidamente e com qualidade.